A virada do ano é tempo de viajar. De verdade ou no sentido figurado. A imprensa cumpre a missão de ser o veículo dessa viagem ano após ano. É o tempo em que os especialistas são convidados a espanar a poeira de suas bolas de cristal e desfiar previsões como se tivessem o dom da clarividência. Eles não têm, mas embarcam na brincadeira.
Às vezes, os palpites servem de pista para os novos tempos e se mostram certeiros nos meses seguintes. A maioria das previsões, no entanto, é tão furada quanto o bug do milênio que, segundo os “especialistas”, complicaria nossa vida na chegada do ano 2000.
Se encarado com bom humor e um tanto de condescendência, o passatempo pode ser inspirador. Ou, pelo menos, divertido. Como cuidaremos de nossa saúde no futuro? O que a medicina nos reserva para os próximos 100 anos?
Muita coisa saiu da bola de cristal do The New England Journal of Medicine, uma das mais respeitadas e tradicionais revistas científicas da área de saúde. No ano em que completou 200 anos, a publicação reservou o editorial da última edição para previsões sobre o próximo século.
Com vocês, alguns dos palpites de Isaac S. Kohane, Jeffrey M. Drazen e Edward W. Campion, do Boston Children’s Hospital e da Harvard Medical School:
1) Nas próximas décadas, a velocidade das descobertas biomédicas será acelerada. A condição de saúde de cada pessoa poderá ser determinada com precisão, graças às novas ferramentas de análise genética.
2) Aumentará a compreensão sobre a forma como o organismo é afetado pelas interações entre os medicamentos, os nutrientes, as bactérias que habitam nosso corpo, os dispositivos terapêuticos e o ambiente.
3) A tão esperada “medicina de precisão” se tornará possível graças à enorme quantidade de dados de saúde coletados em grandes populações. Esses dados incluirão características particulares de cada indivíduo. Um painel riquíssimo para ajudar a entender o que faz bem, o que faz mal, o que prolonga a vida, o que nos desgasta excessivamente.
4) Serão divulgados milhões de estudos populacionais de ótima qualidade (reprodutíveis por outros pesquisadores e realizados a partir de novos métodos estatísticos). Isso será possível graças a uma avançada infraestrutura para armazenamento eletrônico de dados sobre saúde.
5) Os parâmetros fisiológicos dos pacientes poderão ser monitorados e registrados nessas bases de dados. Seria uma forma de melhorar o controle de doenças crônicas (como os problemas cardiovasculares, o diabetes e a obesidade etc).
6) Os aparelhos capazes de monitorar o funcionamento do organismo nas atividades do dia a dia e os dispositivos terapêuticos vão se tornar cada vez menores, mais inteligentes, interativos e ainda mais conectados com as bases de armazenamento de dados de saúde.
7) O conhecimento detalhado do que acontece com a saúde de cada indivíduo levará ao surgimento de novas e mais complexas categorias de diagnóstico e prognóstico.
8) As decisões clínicas serão amparadas pelos registros individuais dos pacientes e pelos estudos em andamento e menos baseadas na opinião dos especialistas e nos incentivos que muitos deles recebem da indústria farmacêutica, de dispositivos médicos e de outras áreas da saúde.
9) Os pacientes e os pagadores dos serviços de saúde (governos, planos de saúde, contribuintes) vão exigir mais transparência. Menos gente aceitará pagar por um tratamento sem eficácia comprovada. Crescerá a pressão sobre as autoridades regulatórias (a Anvisa, no caso brasileiro) para que elas sejam capazes de avaliar com acurácia os méritos e riscos das diferentes terapias.
10) Os cientistas, os médicos, a sociedade exigirão das autoridades regulatórias a divulgação das informações favoráveis e desfavoráveis sobre os medicamentos e os dispositivos de saúde que chegam ao mercado.
11) A medicina do futuro vai se concentrar em um uso mais eficiente do dinheiro e da infraestrutura para prevenir doenças, em vez de remediá-las.
Como tão bem destacam os autores, o futuro da medicina depende da redução das enormes disparidades na saúde, particularmente as existentes entre as nações mais ricas e as mais pobres. Nem todos os países se dão conta disso, mas zelar pela saúde é uma estratégia para promover a estabilidade e a paz.
No Brasil, as disparidades de acesso à saúde são marcantes. Ocorrem entre uma região e outra, na mesma cidade, dentro e fora do SUS.
Que em 2013, a saúde se torne, de fato, uma prioridade coletiva e pessoal. Faz muito tempo que um padrão básico de atendimento médico de qualidade é uma expectativa dos brasileiros. Que isso não demore cem anos para se tornar realidade. Que cada um de nós assuma a responsabilidade de zelar pela própria saúde, nosso bem mais precioso.
Leitores queridos,
Com esse texto, me despeço de 2012 e entro em férias. Esta coluna retorna em 08 de fevereiro. Obrigada pela companhia inspiradora de todas as horas. Que 2013 nos traga sabedoria para valorizar o essencial. Saúde!
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
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